Nélida Piñon

 A Geladeira da vovó

No alforje da minha memória, o Brasil é protagonista e cúmplice. Sobre esta pátria teço considerações triviais, trago a matéria do sonho para o plano do visível. E traduzo a realidade que nos circunda a partir do lar. Afinal, a casa é, em seu todo, a medida de todos. Ela espelha o tecido social em que nos movemos. Entre as paredes amigas, cercadas de coisas inanimadas, reproduzo a vida e a história brasileira nas estranhas analogias que faço. Assim, um objeto, escolhido a esmo, simboliza de repente o esforço coletivo de muitas gerações. A cozinha, por exemplo, é certamente a fantasia do corpo. Ali afloram tradições brasileiras. Em meio aos olores e sabores, que exaltam os sentidos, confere-se o grau do progresso econômico, rastreia-se a genealogia brasileira. Tudo em torno do fogão tem, pois, expressão humana. A imaginação tropical, intensa e desbragada, emerge das panelas da feijoada, da sensualidade que apura o paladar.

Em meio ao torvelinho de um cenário fumacento, a geladeira, sem dúvida, agiganta-se. Alva e altaneira, assemelha-se a uma mangueira fincada no centro de um quintal nostálgico. Inteiramente fabricada no Brasil, orgulho nacional, ela prodigaliza-se em maravilhas e esperanças. Em suas prateleiras e gavetas se escondem, junto ao queijo-de-minas e à manteiga, cartas de um amorproibido. 

Como um legítimo totem urbano, serve-nos este refrigerador com resignada fidelidade e eficácia. Por isso merecendo que lhe enaltecemos os caprichos tecnológicos e os detalhes de sua forma. Sobretudo por haver sido no passado um simples armário de madeira, com pedaços de gelo no interior, hoje exibir-se bela e consistente.

Frente a esta geladeira moderna, reverencio o esforço de tantos brasileiros que se empenharam nestes anos para que viéssemos, afinal, a desfrutar dessas benesses contemporâneas. No entanto, nem sempre foi assim. Há uns cinqüenta anos, quando ainda andávamos de bonde, o único consolo era olhar com sofreguidão as revistas estrangeiras, na expectativa de um dia, quem sabe, adornarmos a vida e a casa com aqueles inventos tão distantes dos sonhos. 

Lembro-me, na infância, de observar a geladeira como uma das pirâmides do Egito. Um objeto de culto, cujo gelo, estocado, desafiava o tempo e preservava os alimentos. Um presente que o avô Daniel enviara-nos, sob o impulso de seu temperamento generoso e contundente. Por onde ele ia, aliás, atento à sua grei, ia expandindo entre todos a noção da mesa farta. A comida que devia sobrar nas travessas, como prova de que ninguém se privara das iguarias.

No Natal, o polvo ibérico saía do frigorífico do barco, atracado na Praça Mauá, para aquela geladeira. Peça hoje de museu, tinha em sua base uma torneira pela qual escorria a água concentrada no interior, proveniente do bloco de gelo revestido com folhas de jornal. Graças a tal recurso, a besta de oito pernas aguardava a hora de seguir para a panela. 

Enquanto as notícias do dia, lidas na véspera, iam-se dissolvendo na superfície do gelo, à medida que fertilizávamos a memória com porções inesquecíveis daquele, então, cotidiano brasileiro. 

» É impossível contar a história do desenvolvimento do Brasil nos últimos 50 anos sem destacar a participação do BNDES. O BNDES viabilizou o setor de bens de consumo em nosso país financiando desde a produção das matérias-primas - como o alumínio e o aço - até a fabricação de bens como a geladeira, o televisor e o automóvel.



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