Hamilton de Mesquita Pinto

Nesse ano de 2002, em que o BNDES comemora seus 50 anos, percebo que participei de mais da metade da existência do Banco.

Realmente estou ficando velho, minha filha caçula, Thais, que se prepara para o exame vestibular também nesse ano de 2002, pediu-me esclarecimentos sobre o esgotamento do "Modelo de Substituição de Importações" e sobre a "Crise do Petróleo" ocorridos no final da década de 70 porque não estava conseguindo entendê-los na leitura do seu livro de História. Eu pude esclarecer, não por lembrar dos meus estudos no colégio, mas por ter vivido aqueles acontecimentos como empregado do BNDES, ou seja, já sou testemunha viva da História contada nos livros escolares.

Ao ingressar no BNDES, em janeiro de 1974, com 25 anos de idade, eu olhava os colegas que tinham que trabalhar só alguns anos para se aposentar como velhíssimos, pois já tinham vivido mais que o dobro da minha idade. Hoje, tenho certeza que os novos colegas, que estão ingressando no Banco com aquela idade, também estão me vendo do mesmo modo. Não me importo, pois isso faz parte da vida, como dizem: quem viver verá.

Como advogado do BNDES, comecei trabalhando em uma Área Operacional onde a maioria dos contratos de financiamentos eram realizados por Cédula de Crédito Industrial, instrumento particular elaborado pelo próprio BNDES. Na época não havia microcomputador e o instrumento contratual era todo datilografado em máquinas de escrever (os novos colegas, se desejarem, poderão ver esse equipamento no museu). Eram instrumentos longos em razão da descrição das garantias reais, como ainda ocorre atualmente (nem tudo mudou), e, para datilografá-los, cada Área do Banco possuía um "pool de datilografia" composto de 10 a 12 datilógrafas (era um serviço "terceirizado", feito por empresa prestadora desse tipo de serviço) em uma sala com um coordenador que distribuía e cobrava os serviços entre elas (todas moças, pelo que guardo nas minhas lembranças) e conferia sua execução.

O "pool de datilografia" realizava todo tipo de datilografia, como Relatórios de Análise, de Acompanhamentos, etc. (todos previamente rascunhados a lápis), mas, como a Cédula de Crédito Industrial não podia ter rasura nem espaços em branco ou lacunas, quando o advogado, na conferência do instrumento, descobria um erro ou uma falha, o instrumento tinha de ser novamente datilografado daquela parte em diante.

Eram muitas as re-datilografias porque, muitas vezes, a pressão para uma contratação rápida ocasionava tensão e cansaço que levavam a datilógrafa a pular uma palavra, ou uma frase, o que resultava em perda da folha que estava sendo datilografada.

Hoje, os microcomputadores possibilitam que tudo que foi digitado se aproveite, pois os erros são corrigidos sem que você perca a página digitada.

Ao ingressar no BNDES a sua sede era no edifício da Av. Rio Branco, 53 (esquina da Rua Inhauma) onde havia um restaurante no último andar.

Os funcionários do Banco costumavam almoçar naquele restaurante no qual havia uma mesa ao fundo onde só sentavam advogados (o garçom que servia a mesa era o Barreto, que, na maioria das vezes, confundia os pedidos feitos). Não que fosse proibido aos outros colegas sentarem, mas o hábito dos advogados reunirem-se naquela mesa na hora do almoço levou os colegas das outras formações técnicas a não se sentirem confortáveis em ocupar aquela mesa. A mesa era vista com reverência pelos demais colegas pois os advogados eram tidos como uma casta à parte. Na época, fiquei sabendo que essa situação aconteceu porque antes da minha entrada no Banco os advogados trabalhavam todos juntos na Divisão de Contratos, que elaborava o contrato de financiamento após a análise do projeto feita pelos demais técnicos do BNDES, que, por ser a última etapa antes da concessão dos financiamentos do Banco, era tido como muito poderosa. Além disso, antes do Banco tornar-se Empresa Pública em 1971, era uma Autarquia Federal e seus advogados eram "Procuradores".

Assim, quando entrei no Banco os advogados tinham sido distribuídos pelas Áreas Operacionais, razão porque iniciei minha carreira na API (Área de Projetos Industriais), uma área operacional no edifício da Av. Rio Branco, 53.

Dois anos depois, com o crescimento do BNDES, fui lotado em uma nova área operacional, denominada Área de Projetos II, que, por não caber naquele edifício, ficou localizada em alguns andares do edifício da Av. Rio Branco, 125, continuando, entretanto, todos os Diretores no antigo edifício sede.

Na época, não existia controle eletrônico de freqüência ("catraca") e a presença era registrada em lista assinada pelo funcionário no início do expediente, o que permitia certa "flexibilidade" para o horário do almoço, especialmente pelo fato do Diretor da área estar em prédio afastado (do outro lado a Av. Presidente Vargas). Um dia, um dos gerentes do departamento onde eu estava lotado procurou, após o almoço, os demais gerentes do departamento para informar, de forma agitada, que o Diretor da área tinha estado no edifício por volta das 14:30 hs. (o horário de almoço encerrava às 14:00 hs) e não tinha encontrado ninguém no andar a não ser ele que relatava o fato. Ao ser festejado por, pelo menos ele estar no andar, ele exclamou: "é, mas eu estava com os pés em cima da mesa e dormindo". Deve ser por essa razão que o próximo Diretor da área instituiu três "pontos" diários, no início do primeiro expediente, no início do segundo expediente (após o almoço) e no final do expediente. Era uma correria para assinar o "ponto" antes de seu recolhimento, pois não havia como compensar um eventual atraso (nunca se assinou tanto "ponto" no Banco).

Depois de quatro anos, fui trabalhar na Área de Projetos I, que, naquela época, já tinha saído do edifício sede do Banco estando localizada no edifício da Av. Rio Branco, 110, que foi construído no local onde estava o prédio sede do Jornal do Brasil, sendo um dos prédios mais altos daquela avenida. Aquela área operacional ocupava do 29º ao 31º andar do prédio tendo-se uma vista deslumbrante de toda a Baia da Guanabara pois os prédios em frente são todos muito mais baixos. Numa segunda-feira, constatamos que, no fim-de-semana, as janelas dos andares da Área tinham sido atingidas por tiros de fuzil, mais especialmente a sala do Superintendente (Dr. Vicinius), do qual eu era assessor. A Polícia Federal foi chamada, mas não tivemos conhecimento da conclusão da investigação, a suspeita da Polícia Federal era de que os tiros teriam vindo de uma unidade militar localizada em alguma ilha na Baia da Guanabara.

Naquela época, diversas unidades do Banco já estavam funcionando fora do edifício sede. Além das áreas operacionais citadas, lembro-me que a consultoria jurídica estava num prédio na Rua do Ouvidor, esquina com a Av. Rio Branco, e o Departamento do Contencioso estava na Av. Presidente Vargas, próximo da Av, Rio Branco. O Banco reuni-se novamente só com a inauguração da nova sede na Av. República do Chile , 100.

Assim, o Banco mudou da sua antiga sede na Av. Rio Branco, 53, com suas unidades "caminhando" pela Av. Rio Branco, e adjacências, em direção à sua nova sede na Av. República do Chile, nº 100.



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