João Ubaldo Ribeiro

Singrando os mares

Minhas primeiras viagens sempre foram entre o continente e a ilha de Itaparica, onde nasci e aonde voltava sempre que podia. O transporte, naturalmente, era feito por navios, todos lendários e cercados de reputações diversas. O Paraguaçu, por exemplo, tinha o casco de madeira e, nos dias de temporal, fazia com que as beatas se ajoelhassem no convés e rezassem para que a viagem chegasse a bom termo, no que, aliás, sempre foram atendidas, do contrário eu não estaria mais aqui para contar histórias. Havia também o Nazaré, grande e lento como um cachorrão obeso, o neolítico Cairu, que parecia nunca poder chegar ao lugar para que zarpava, a brava lancha Avante, sempre superlotada, mas jamais afundada, havia os navios sobre os quais contavam histórias fabulosas os mais velhos e nós acreditávamos em tudo. Participei também da viagem inaugural do poderoso e moderníssimo.  

Mascote, que encurtava o percurso, então de mais ou menos duas horas, para uma hora e pouco.
E havia os saveiros, trafegando nas águas veneráveis da baía de Todos os Santos, levando verduras, mangas, carambolas, peixes, cajus, goiabas, dendê, camarão seco, folhas mágicas para banhos de descarrego, gente que nunca tinha visto São Salvador da Bahia, bodes, jegues e tudo mais que se possa imaginar, num desfile interminável de velas e cascos decorados em cores vivas.

Também uma canoinha aqui ou ali, um batelão tainheiro fazendo cerco aos cardumes com a coreografia que só os tainheiros conhecem, um universo encantado que meus olhos de criança - ai de mim, já lá se vão mais de cinqüent'anos - não cansavam de contemplar maravilhadamente. E tampouco posso esquecer os golfinhos, lá chamados de botos, que, brincalhões, se exibiam junto aos vapores, palavra que não se usa mais para querer dizer navio, mas na época era a preferencial.

De lá para cá, meus olhos perderam a inocência, embora não tenham perdido a capacidade de fazer daquela paisagem o cenário de sonhos e alucinações benignas. As águas azuis ou esverdeadas da grande baía continuam as mesmas, indiferentes à passagem do tempo e testemunhas silenciosas de tão grande parte de nossa História, inclusive a que não conhecemos e de que elas sabem bem, mas não contam, não falam. Em Itaparica, a ilha rainha do Recôncavo, renovada e remodelada faz pouco tempo, já não há a estação de águas que antigamente havia, nem velhotes trêmulos se cobrem mais com a lama supostamente milagrosa dos bancos de areia. Os tempos são outros.

Num catamarã com "aeromoça", serviço de bordo e coisas de avião, viajo hoje em menos de meia hora para a minha terra, onde também aportam barcas que levam carros e transformam a ilha em uma espécie de ponte, que encurta as distâncias outrora necessárias para se vencer por rodovia o caminho até as cidades célebres do Recôncavo, como Nazaré das Farinhas, Cachoeira, São Félix, Valença e Santo Antônio de Jesus, pedindo desculpas pelas inevitáveis omissões. É melhor, sim, são bem melhores o  catamarã ou as barcas, hoje outros mundos estão perto, temos telefones, temos farmácias, temos supermercados, temos tudo.

Mas, velho como estou ficando, sei, sim, que tudo melhorou - só que tenho saudades, muitas saudades, de meus olhos de criança.

» É impossível contar a história do desenvolvimento do Brasil nos últimos 50 anos sem destacar a participação do BNDES. O BNDES financiou a implantação e modernização de sistemas de trens de passageiros, de barcas e de metrô em diversos municípios do país, trazendo melhor qualidade de vida a milhões de brasileiros.



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