O Destino do Banco de Desenvolvimento

O Globo - 25/06/52

O Destino do Banco de Desenvolvimento

O Presidente da República sancionou sexta-feira um dos atos legislativos que maior repercussão poderão ter no futuro do país: a lei que cria o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.

Esse Banco será o órgão oficial financiador dos projetos de reequipamento dos portos, das ferrovias, da navegação, que a Comissão Mista Brasil - Estados Unidos está elaborando em ritmo acelerado, e enviando ao Banco Internacional ou ao Banco de Exportação e Importação, para que estes concedam os créditos em dólares necessários à sua consecução.

Duas serão, portanto, as nossas fontes de financiamento: aqueles bancos estrangeiros, que farão o financiamento em dólares, e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, criado sexta-feira, que fará o financiamento em cruzeiros. Esses cruzeiros provêm, principalmente, do imposto adicional sobre a renda, que o Congresso decretou para o fim especial de atender às necessidades do reaparelhamento do país.

É, assim , o Banco de Desenvolvimento um elo fundamental do plano econômico financeiro do Governo, executado pelo ministro da Fazenda. O Sr. Getúlio Vargas, dando vida ao novo estabelecimento, pratica um ato de Governo, cujo alcance histórico só com o passar dos anos se revelará integralmente.

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Não é possível pressentir, nos dias de hoje, esse alcance, sem atentar em alguns fatos fundamentais.

O primeiro é a crise peculiar da economia brasileira de hoje, crise que o Sr. Ricardo Jafet definiu, certa vez, com muita felicidade, como "crise de estrangulamento". Essa crise é uma conseqüência da expansão econômica em que nos achamos. Surgem, em torno de nós, diariamente, novas iniciativas. O poder de consumo sobe. Não há falta de empregos, a não ser em algumas regiões, de vida mais atrasada. Mas dois ou três pontos vitais da estrutura econômica não oferecem, não podem oferecer elasticidade para acompanhar essa expansão generalizada: tais pontos são, sobretudo, a energia elétrica e o transporte.

A energia elétrica não pode aumentar senão com investimentos consideráveis em novas barragens e usinas geradoras. A que existe está esgotada. Qualquer fábrica nova em São Paulo ou Rio tem de arrebatar os quilowatts de que precisa, a algum consumidor já existente.

O transporte marítimo ou ferroviário também não pode dar mais do que hoje oferece. Novos navios sem obras portuárias consideráveis seriam simples e custosos armazéns flutuantes, para aumentarem nos portos deficientes e abarrotados, as "filas" de descarrega. E as ferrovias reclamam novos trilhos, novos vagões, novas locomotivas. Se hoje crescesse substancialmente a nossa produção de alimentos no interior, é provável que essa riqueza se perdesse no funil indilátavel do transporte por terra ou por mar.

Eis porque é justo falar de "pontos de estrangulamento". O que cresce é estrangulado na fase de transporte ou de utilização da energia. Daí o perigo dos salários altos, das concessões imoderadas de crédito aos produtores, dos lucros excessivos. Todo esse poder monetário, não podendo criar nem transportar novas riquezas, vai se exercer na procura desenfreada das existentes, alimentando uma batalha de preços mais e mais altos.

O Banco de Desenvolvimento, como os trabalhos da Comissão Mista, vem operar precisamente sobre os "pontos de estrangulamento" - sobre a energia, os portos, o transporte marítimo e ferroviário. Sua tarefa inicial traduz, portanto, uma visão correta da realidade brasileira, cuja formulação desde a IV Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos, em março do ano passado, ainda é, até este momento, a contribuição mais valiosa do atual governo à solução de nossos problemas.

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Mas não ficará na tarefa inicial o Banco de Desenvolvimento. Os cruzeiros que ele aplicar voltarão à sua caixa, e assim se manterá em circulação, reinvestindo-se periodicamente, uma importante massa de financiamento, que irá beneficiar serviços públicos, industriais, pecuária, agricultura.

Um instrumento poderoso de suplementação da iniciativa privada e de disciplina da iniciativa pública, está criado, e em condições de corrigir ou ajudar a corrigir muitos dos males crônicos de que sofremos.

É agora indispensável que o Governo, na escolha dos administradores do novo Banco, não se deixe levar por critérios políticos ou pessoais, mas pela preocupação única de encontrar homens adequados a tão difíceis funções. Esses homens devem reunir os atributos da idoneidade moral absoluta, consagrada pelo respeito público, e da experiência em assuntos técnicos, industriais e financeiros, como aqueles de que o Banco tratará.

A criação de cargos como os de direção de Bancos oficiais expõe sempre os governos ao risco de quererem utilizá-los para resolver situações partidárias, para recompensar ou aproveitar pessoas, em funções de critérios políticos. Seria melhor que a União pensionasse tais pessoas, sem exigir delas qualquer trabalho, do que expor o serviço público à ineficiência e aos prejuízos, para aproveitá-los.

O Sr. Getúlio Vargas não pode permitir, porém, que o novo instrumento, tão essencial ao êxito de sua política econômica, corra o risco de corromper-se por obra de uma direção conscientemente infeliz.



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