Marcelo Jose Cunha de Vasconcelos

À Secretaria... o maior Apoio!

Já houve no antigo "BNDE", lá pelos distantes anos 70, uma Unidade Administrativa denominada "Secretaria de Apoio" (SA). Cada Área tinha a sua. E como o próprio nome indicava, as SA eram responsáveis por fazer o trabalho periférico, aquele que ninguém queria fazer, mas sem o qual as coisas não andavam direito, como requisitar materiais, consertar coisas, arquivar documentos. Tinha até um pool de datilografia!

Pois é, ingressei no Banco em 1979 e, como Auxiliar de Administração, fui parar numa dessas SA, a da Área de Projetos com Agentes (APA), que um pouco antes se chamara Área de Operações Conjuntas (AOC) e um pouco depois seria rebatizada como Área de Projetos III (AP-III). Era uma sopa de letrinhas que, no fundo, não mudava em nada o trabalho que ali era realizado.

As pessoas iam à SA não só marcar férias, pedir lápis-borracha, consertar grampeador com defeito (que, aliás, tinha até "Termo de Responsabilidade"!) ou requisitar cartões de visita, mas também chorar suas mágoas, reclamar da vida, do chefe, da patroa, do cachorro... Por isso nós, na SA, passávamos por situações inusitadas - de um lado porque tínhamos de cumprir rigidamente as regras, "para dar o exemplo", de outro porque tentávamos sempre dar um jeitinho na rigidez das regras para não prejudicar ninguém.

Mas a dona Roma Arantes, secretária-executiva responsável pela SA/APA, era um primor de obediência às regras. Esposa de um alto oficial do exército (e mãe do saudoso Rômulo Arantes), não deixava por menos: mandava riscar de vermelho o ponto de quem não o tivesse assinado até às 10:15h. Não tinha perdão. Quantos e quantos colegas chegavam esbaforidos às 10:17h para descobrir que haviam corrido em vão: as folhas de ponto tinham acabado de sair, nas mãos do nosso querido mensageiro Marquinhos (hoje DJ Corello), para o DEPES, na longínqua Rua Mayrink Veiga, com o risco vermelho cravado. Dona Roma era muito pior do que a catraca de hoje!

Depois que o ponto se tinha ido, dona Roma virava um docinho: mandava chamar a Marlene, copeira do andar, e, la vie en rose, pedia que lhe fizesse as unhas.

Dona Roma foi protagonista de muitas histórias cômicas. Numa delas, seu marido ligou do orelhão e deixou recado, avisando que já estava esperando-a no local combinado, junto à banca de jornais. Entrei na sala justamente na hora em que a dona Roma, debruçada na janela, gritava desesperadamente para o maridão que, qual uma estátua lá em baixo, nada respondia: "-Aranteeees, sobe! Araaaaanteeeeees!". Detalhe: estávamos no décimo-quinto andar do Edifício Conde Pereira Carneiro, em plena Avenida Rio Branco! Era covardia aquela vozinha esquálida competindo com o furor dos motores de ônibus e motos.

Mas havia outras pessoas que metiam-se em situações bem embaraçosas. Celso, o nosso contínuo-prodígio (que era formado em Psicologia e discutia com facilidade qualquer tema, de Platão à dívida externa brasileira), diariamente precisava contar e recontar as requisições de xerox, que nunca batiam com o registrado pelas máquinas. Isso o deixava desesperado. O relatório de cópias efetuadas tinha de sair certinho, caso contrário o Dr. Paulo Prado, general-chefão das copiadoras, mandaria uma severa advertência. Como as contas não batiam mesmo, o Celso não deixava por menos: fabricava na hora umas requisições, na medida certa que o tal relatório precisava.

Seu Gomercino, artífice de manutenção, vez por outra nos pedia para usar o telefone. Era muito tímido, pedia mil perdões e discava o número desejado. Como o aparelho era um moderníssimo Ericsson, cheio de luzinhas coloridas, de longe dava para ouvir em alto e bom som o "beep beep beep" de ocupado, mas o seu Gomercino, não querendo pagar o mico, fingia aguardar que lhe atendessem do outro lado da linha, por longos dois ou três minutos!

Havia o Cassiano, nosso arquivista, que considerava fundamental para a saúde ser vegetariano, ler Sugar Blues e fazer a sesta diariamente. Como não havia local apropriado para isso, vez por outra ele era pego dormindo entre os corredores das estantes. Deitadinho mesmo, com direito a travesseiro-dossiê. E quando encontrava uma pasta fora do lugar, reclamava sem dó nem piedade: "- Há uma caveira de burro enterrada aqui!".

Numa determinada época a febre do momento passou a ser jogar xadrez. Começou com alguns minutinhos diários, que se ampliaram para toda a hora do almoço e logo ninguém mais pensava em outra coisa. As pessoas jogavam antes do expediente, durante, após, por correspondência, de todo jeito. Tinha até campeonado. Um dos colegas, assíduo observador das competições mas pouco afeto à terminologia, morria de rir quando um dos contendores cruzava o rei com a torre: "- Ah, ah, ah, ele roncou, ele teve que roncar!". A festa só acabou quando o Fred Kautz, Coordenador-Geral, mudou sua sala para o lado da nossa e o barulho começou a incomodá-lo.

Mas o pior momento por que passei mesmo foi quando me colocaram como responsável pelas Requisições de Material. Garoto novo no Banco, sem a menor experiência, comecei a preencher a primeira, pedindo sempre auxílio ao nosso ex-colega João Cardoso, estudante de física nuclear que não estava nem aí para a burocracia:

- João, quantas canetas eu devo pedir?

- Trinta tá bom - respondia o João, estudando "Resistência dos Materiais" e sem levantar a cabeça do livro.

- E lápis, peço a mesma quantidade?

- Sim, peça a mesma coisa. E peça umas cinqüenta borrachas, uns cem blocos, umas duas ou três resmas de folhas para xerox.

- E envelopes?

E o João, já meio sem paciência:

- Envelopes? Três já tá muito bom.

E eu lasquei lá na requisição: três mil envelopes... de cada!

Dois dias depois não era possível entrar na minha sala de trabalho: o DEPAD tinha atendido tudo, tudinho, sem pestanejar! Tinha caixas e mais caixas de envelope branco, passarinho, pardo, timbrado, sem timbre, pequeno, grande... e a dona Roma, esbravejando na porta, xingando a coitada da minha pobre mãezinha...



Outras:
. 50 anos de História para ler e guardar
. Anna Christina Pereira Varella
. Edson Celestino Cabral
. Gelson Vila
. Hamilton de Mesquita Pinto
. Israel Blajberg
. Julio Amadeus Gomes
. Juzoe Poubel Bastos
. Marcelo Jose Cunha de Vasconcelos
. Maria de Fatima Torres de Queiroz